No dia 1º de novembro de 1755, a cidade de Lisboa, capital do Império Português, sofreu um de seus mais severos golpes. A natureza, ou como pensaram os cristãos, a ira de Deus contra os pecadores, arrasou a capital e arredores. A terra, a água e o fogo trouxeram aos lisboetas a certeza de que presenciavam o fim do mundo, o Juízo Final. Foi ainda pela manhã, relataram os sobreviventes, que a terra começou a tremer. Um primeiro tremor durou cerca de 30 a 40 segundos, inquietando os moradores. Após três minutos de silêncio, um abalo de aproximadamente dois minutos trouxe morte, ruína e devastação. Um pavor instalou-se na cidade, e as pessoas corriam pelas ruelas, sem qualquer ideia do que poderiam fazer, totalmente desorientadas. Alguns decidiram ir para próximo do rio Tejo, refugiando-se em espaços vazios, sem construções que viessem a desmoronar sobre as suas cabeças. No entanto, os tremores causaram um maremoto (tsunami) que avançou o mar sobre o rio e a parte baixa da cidade, e em três movimentos das águas, pessoas e barcos foram tragados para o mar. Cessados os abalos, os sobreviventes foram buscar seus familiares nos escombros e verificar o que teria sido poupado após o desastre. Por ser o Dia de Todos os Santos, as inúmeras igrejas da cristã Lisboa estavam abarrotadas de fiéis, com suas preces e velas. Foi por conta das velas acesas e da dificuldade de se transitar pela cidade para o combate, que focos de incêndios passaram a se alastrar, consumindo ao menos um terço da cidade por cerca de sete dias. Restou aos sobreviventes irem para os campos e se instalarem precariamente, aguardando as medidas de salvaguarda. Diante da caótica circunstância, os administradores resolveram enterrar os mortos, cuidar dos vivos e reconstruir Lisboa, e para isso, precisavam de auxílio.
A notícia do desastre ecoou pelo Mundo, chegando aos seus mais distantes rincões, inclusive à Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Os vereadores da época afirmaram que a notícia do terremoto chegou no mês de agosto de 1756, causando um grande espanto nos moradores da vila, sendo impossível de ser transmitido em palavras. Duas cartas oficiais, endereçadas ao governador D. Antônio Rolim de Moura, chegaram em Vila Bela, capital da recém fundada Capitania de Mato Grosso (1748), no dia 4 de setembro de 1756. Uma delas foi escrita pelo próprio rei Dom José I, na qual o rei relatava os acontecimentos e solicitava demais providências; e a segunda escrita por Diogo de Mendonça Corte Real – Secretário de Estado da Marinha e Ultramar – na qual o secretário relatava os desdobramentos do terremoto e convidava o povo a compartilhar o sentimento pelo estrago ocorrido na capital lusa. Quais seriam as providências emanadas de Portugal? A primeira seria agradecer a Deus por haver livrado a família real do desastre, e a segunda seria auxiliar financeiramente o reino para a reconstrução de Lisboa.
D. Rolim de Moura comunicou oficialmente a Câmara de Cuiabá acerca das duas cartas enviadas de Portugal, dando um valor especial àquela escrita de próprio punho pelo rei, que a exemplo de Mato Grosso, foi enviada para outras capitanias da Colônia. Logo no dia 30 de novembro de 1756, os vereadores de Cuiabá se reuniram com o povo e elegeram “oito homens, nobres, experientes e de capacidade” para que juntamente com oficiais da Câmara, estabelecessem “o melhor meio, a fim de se estabelecer um subsídio para Sua Majestade na forma que ele ordena”. Em uma outra oportunidade, no dia 6 de dezembro do mesmo ano, os vereadores se encontraram na Câmara com os oito homens eleitos, e “assentaram e acordaram que se servisse ao rei com dezesseis mil oitavas de ouro de subsídio, quantia que se satisfazia em tanto tempo de quanto se precisasse para complemento dela”. Tal quantia seria arrecadada inicialmente através de um imposto sobre a aguardente comercializada na Vila de Cuiabá e regiões próximas.
No que se refere ao pedido para que a população se manifestasse quanto ao sentimento pelo desastre e seus mortos, e ainda, por conta da Divina Providência haver livrado a família real, em um edital do dia 15 de dezembro de 1756, os vereadores de Cuiabá determinaram que a partir daquela data, “todos os seus moradores, como católicos, iriam em cada Dia de Todos os Santos, celebrar na Matriz da vila uma festa ao Senhor Bom Jesus, o padroeiro da Vila. A celebração ou missa contaria com música, Santíssimo Sacramento exposto todo o dia, sermão, procissão de tarde, com a mesma solenidade com que naquele ano se praticou em ação de graças ao Senhor Bom Jesus”. Serviriam principalmente para “agradecer a especialíssima graça que isentou daquele lastimoso conflito, não só ao soberano e a rainha, como toda a real família, entre tantas mil pessoas que naquela cidade pereceram”. E ainda, para que a divina misericórdia restabelecesse o reino ao estado em que permanecia antes daquele funesto terremoto. Essas celebrações durariam pelo “tempo em que estivesse na memória dos mortais sensíveis a tal lamentável lembrança”. Infelizmente não há uma notícia oficial sobre a realização dessas celebrações na Vila de Cuiabá.
Já em Vila Bela, os seus vereadores relataram o que foi providenciado na sua vila por conta do desastre de Lisboa. Resolvemos apresentar porque muito provavelmente as ações determinadas pela Corte foram cumpridas na Vila de Cuiabá. Disse o redator dos Anais de Vila Bela que uma celebração foi realizada na Matriz no dia 20 de setembro de 1756. De acordo com o relato, “o templo estava ricamente ornado, com a presença da nobreza e do povo, para celebrar, em ação de graças a Deus, o livramento dos males ao rei e sua família”. Para aquela celebração teriam sido convidados os melhores músicos da capitania e todos os seus sacerdotes.
Para a proteção de todo o seu reino, Dom José I elegeu, com a anuência do Papa, por meio de um decreto de 27 de agosto de 1756, o jesuíta Francisco de Borja como o santo protetor contra terremotos. Em uma outra correspondência enviada à capitania de Mato Grosso, o rei determinava, mais uma vez, que em um domingo do mês de novembro, se celebrasse uma festa em patrocínio à Virgem Maria, por haver livrado ele, a sua família e os demais cantos do reino, daquele desastre de 1º de novembro, e que tal episódio não viesse a ocorrer em outra oportunidade. Requeria o soberano que para essa celebração fosse realizada uma procissão, com jejum na véspera e com a presença de todos os representantes públicos.
Com o decorrer dos anos, aquele subsídio que deveria ser voluntário passou a ser forçado. Ele aparentemente continuaria sendo pago pelas vilas da capitania de Mato Grosso até o ano de 1769, isso porque, no dia 19 de janeiro desse ano, o então governador, Luís Pinto de Souza Coutinho, escreveu ao reino, afirmando que resolvera deixar de proceder, por decisão sua, “a cobrança e arrecadação dos donativos”. O governador alegava que o subsídio já havia ultrapassado a quantia e o prazo estabelecidos na administração de D. Rolim de Moura. No entanto, Souza Coutinho aguardava alguma outra determinação do rei.
Somente no final do século XVIII teremos mais informações a respeito desses subsídios. Em uma carta, escrita pelo governador da capitania de Mato Grosso, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, ao secretário de Estado, Marinha e Ultramar, ele trata do atraso de Mato Grosso em contribuir com o subsídio para a reedificação de Lisboa, e do regulamento para dar continuidade ao pagamento. Nessa carta, do dia 3 de junho de 1798, o governador afirma, que após o ano de 1769, foi enviado subsídio para a construção do Palácio da Ajuda. Depois, foi instituído um para a edificação do Palácio Real, residência da família real, com o empenho dos oficiais das câmaras de Vila Bela e Cuiabá. O historiador britânico Charles Boxer afirma que o Brasil teria sido o maior financiador da reconstrução de Lisboa através de pagamentos anuais que só foram interrompidos com a proclamação de sua independência, em 1822. O diplomata e historiador Francisco Varnhagen acredita também que foi graças ao auxílio indireto dos capitais e do ouro do Brasil que pudera Lisboa levantar-se, “como por encanto” dos destroços em que se encontrava.
O terremoto de 1755, que completa 270 anos no próximo dia 1º de novembro, é considerado pelos cientistas como o mais forte e devastador sismo registrado na história moderna, e acabou sendo utilizado, como visto, de forma perspicaz pelo rei Dom José I.
Autor: Danilo Monlevade
Secretaria de Apoio à Cultura
Fonte de Pesquisa:
MONLEVADE, Danilo Ramos de. A repercussão do terremoto de Lisboa (1755) na Capitania de Mato Grosso. Orientadora: Leny Caselli Anzai. Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em História. UFMT: Cuiabá, 2005.
Fonte: Câmara de Cuiabá – MT